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Mensageiro Obscuro é um escritor performático que possui um espetáculo solo no qual recita textos utilizando vestuários exóticos, maquiagens e outros recursos criados por ele. Escreve prosas poéticas, poesias, contos, crônicas, pensamentos, frases e experimenta outras formas de escrita.

Seus principais estilos e temas em suas obras são: aventura fantástica, realismo fantástico, autobiografia, onirismo, ultra-romantismo, simbolismo, drama, horror e suspense, ocultismo e misticismo, mitologias, filosofias, surrealismo, belicismo, natureza, comportamento, erotismo e humor.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Troca de Mundos

PRIMEIRO ATO - O MUNDO DE ZILLIUM.
Em um planeta chamado Zillium várias raças inteligentes existiam, incluindo a raça omanur, composta por humanóides de peles, cabelos e olhos de cores variadas, sendo donos de poderes físicos e místicos exclusivos. O céu verde claro de Zillium entardecia mostrando suas duas luas: a minúscula e rosada Arumá e a azulada e grande Riunokô. Então, viajando pelos ares um filósofo aventureiro omanur chamado Durganara voava veloz, o vento batia em sua longa cabeleira cacheada azul com mechas roxas, seu rosto de pele muito branca e lisa gelava com a ventania, enquanto sentia o peso de seus dois grandes livros místicos na mochila presa às costas. Durganara sorria ao sentir a pressão da velocidade de voo de Nitz, seu dragão branco entediado e introvertido com um espesso bigode em sua face alongada; seu corpo era esguio com  dois pares de patas fortes e longas, com garras curvas prateadas; suas asas membranosas eram imensas com grossas membranas e sua cauda continha escamas afiadas em forma de leme. Voando pelas tão conhecidas terras eles observavam cidades e aldeias pequenas, montanhas nevadas com picos imensos, abismos sobre as planícies formando cânions, vulcões inativos e densas florestas, aquelas lindas paisagens cativavam quem as percebesse, logo sua parada estava próxima, desceria no castelo Kágura que era conhecido por ter dois imensos leques sedosos próximos à porta principal.

Durganara encontraria com seu velho amigo Eldritch, então pousou com seu dragão e desceu em um só salto contra o chão, suas pernas e botas fortes suportaram o impacto facilmente. Respirou fundo, arrumou seus cabelos, puxou sua capa e seguiu rumo ao grande portão, Nitz olhava e resmungava para que não demorasse pois estava faminto e caçaria uns krentz pelas fazendas próximas dali.

- Reikt! Quero encontrar o sábio Eldritch, ele me convidou para vir a Kágura, pois ele quer falar comigo. - Durganara sorria para o guarda Valdef, um jovem militar e grande apreciador de seus livros.
- Reikt para o senhor também! É um prazer tê-lo aqui. - Valdef deu um soco duplo fraco contra as duas mãos de Durganara que retribuiu o cumprimento, sorriram e o guarda o guiou pelo grande saguão sobre um imenso tapete verde e paredes de pedra escura. O visitante entrou em um elevador prateado a vapor, controlado por um goblin desajeitado e simpático chamado Chumerim, ele era  careca de baixa estatura como sua espécie, tinha pele verde escura, olhos amarelos pequenos, orelhas pontudas, uma boca grande com dentes pontudos e usava um uniforme preto.

- Murzam! Durga, você veio... vou lhe contar para que te chamei aqui, como bem sabe não largo os prazeres de minha introversão a não ser em casos realmente importantes. - Eldritch usava seu típico traje verde escuro com capa e um chapéu elegante e alto. Estava sentado em uma cadeira luxuosa de madeira, com as mãos sobre uma grande mesa de madeira com vários livros e pergaminhos velhos, poções, pós, pastas, incensos, varinhas, cajados e jóias nos quais desenvolvia suas pesquisas místicas.

O senhor Eldritch tinha 180 ciclos, o equivalente a metade em anos humanos, mas com aparência era a de um homem bem conservado de 45 anos de estatura mediana, pele morena escura, cabelos grisalhos ondulados e muito curtos, olhos castanho escuros e nariz comprido; já Durgana tinha seus 60 ciclos, o equivalente a 30 anos humanos com aparência de uns 16 anos. Os omanur eram a raça dominante em quase todas as áreas conhecidas e habitadas de Zillium, menos em imensas áreas misteriosas e virgens onde quase nunca nenhum homem ou mulher da raça retornou. O sábio contou sobre a mais curiosa descoberta de suas décadas de estudos e pesquisas: a existência de um mundo totalmente com uma única raça inteligente capaz dos atos mais cruéis e idiotas possíveis, com população colossal e repelta de problemas; com a ausência de criaturas inteligentes portadoras de poderes mágicos; onde existem religiões e uns seres chamados de "deuses"; fauna e flora diferenciados e agredidos pela raça dominante; e tecnologias avançadas completamente distantes do que se conhece de Zillium.

Eldritch nomeou tal mundo como "Umanir" e seus habitantes dominantes por "umanirtas", ele estava radiante, segurava os ombros do seu amigo alto e robusto enquanto falava. O aventureiro filósofo puxou um doce estrelado fosforescente de uma mesa ao lado e o comeu, as migalhas brilhavam sobre o tecido brilhoso e colante de suas vestes. Ele sorriu concordando com a missão e logo foi levado a uma sala especial no laboratório, onde Durganara vestiu um cinturão metálico prateado, enquanto isso Eldritch colocava um mochilão com equipamentos em um baú acoplado a uma grande cadeira, nela havia uma armadura metálica que estava aberta. Durganara sentou-se no artefato e esperou novas instruções do sábio inventor.

- Levei décadas para construir esse artefato que nomeie por Transferidor Essencial. Nosso mundo é limitado e talvez essa sua viagem possa nos trazer mais conhecimentos úteis, assim talvez solucionaremos nossos problemas que são mínimos comparados aos deles. Poderemos até ajudar o povo de Umanir tornando-os mais evoluídos. - Durganara ficou quieto enquanto Nitz esgueirou seu pescoço longo para a janela do laboratório-biblioteca de Eldritch e fez perguntas, obtendo respostas ficou triste por não poder ir ao curioso mundo de Umanir. Nitz despediu-se do seu amigo e voou pelos céus rumo a sua caverna gelada, que era conhecida por ter árvores imensas das quais jorravam cervejas e vinhos durante todas as semanas, por lá ele ficaria incomunicável manipulando livros e pergaminhos com seu poder mental de telecinésia, quando sentisse fome ele passaria por mais umas fazendas, sempre caçando um ou dois krentz por semana.

- Meu amigo, só confio em você para essa missão. Já sou um tanto maduro e cansado demais para encarar tamanhos pensamentos e emoções. No Transmissor Essencial, você alcançará um caminho mais longo e pesado do que conquistei ao entrar nesse artefato. Selecionei diversos equipamentos para sua viagem, creio que você enfrentará diversas coisas em Umanir. Registre esses conhecimentos e experiências para nós. - Após essa conversa Eldritch fechou a máscara da armadura, acessou um painel e recitou versos de conexão astral. Logo o corpo de Durganara vibrava com sons, luzes, frio e calor, sua viagem se iniciou para uma passagem dentro dos sonhos de alguém daquele mundo.

SEGUNDO ATO - VIAGEM DE DURGANARA À TERRA.
Minutos após, na Terra, o mundo nomeado como Umanir enfrentava guerras, ditaduras, mudanças político-econômicas, crises financeiras, corrupção, crimes diversos, degradação ambiental e tantos outros problemas no ano de 1964. Nesse mundo doente vivia um adolescente brasileiro localizado na cidade do Rio de Janeiro, no estado do Rio de Janeiro no Brasil. Seu nome era Valentino, um rapaz sonhador de 16 anos, leitor compulsivo de livros de fantasia e bastante introvertido. Ele queria muito que o mundo mudasse e por vezes se imaginava conhecendo outros mundos distantes da realidade da Terra. Sua mentalidade de mundo era pessimista, decadente, sofrida, fria, e desesperançosa; em seu semblante era notável tamanha

Em uma noite de sonhos Valentino se imaginou em Zillium, de alguma maneira chegou àquele mundo em forma de um fantasma. Poucos espíritos humanos viajaram oniricamente até Zillium. - Somente os mais fantasiosos dos humanos conseguiriam passar para aquele mundo - onde apenas alguns momentos de sonhos poderiam horas ou dias em vivência. Uma luz branca e forte saiu por baixo de sua cama, então um mochilão preto e grosso foi arremessado ao meio do quarto, logo após, Durganara também foi empurrado pela luz com a cabeça contra o mochilão; o mesmo saiu rapidamente da cama e começou a falar seu idioma; ao notar que Valentino não o entendia colocou uma tiara exótica e fina na cabeça e começou a falar em português enquanto ouvia o rapaz traduzido simultaneamente em omanurano, seu idioma natal.

- Saudações, umanirta! Sou Durganara Lumurines, vim do planeta Zillium e preciso conhecer esse mundo. Vim em paz e peço que oculte minha presença nesse plano. Seu sonho serviu de ponte para minha vinda a esse mundo. - Durganara estava tenso, não conhecia aquele tipo de quarto repleto de objetos desconhecidos, tudo era muito curioso, incluindo o rapaz não dormir com fitas roxas nos pulsos como era costume de seu povo. Explicou mais detalhes e após longas conversas optou em mudar sua aparência, então usou seu cinturão para alterar a forma, textura e cores de seu corpo e também mudou seus trajes. Valentino chocou-se com tudo aquilo, mas instigado pela curiosidade não conseguiu dormir e continuou sua conversa em tom baixo com o filósofo aventureiro, assim trocando diversas informações úteis, com isso Durganara usou um artefato que o fazia mudar a cor dos cabelos e olhos, assim como alterou a forma de seus trajes para ficar parecido com um terráqueo.

O jovem humano preparou um lanche, mas Durganara estranhou a comida de seu anfitrião ao rejeitar todos os cereais cozidos e carnes, só comendo verduras, legumes e frutas cruas com condimentos diversos, água açucarada com pitadas leves de sal. No dia seguinte ambos resolveram sair, Durganara estranhava os militares nas ruas, a barulhada de carros e motos, ruas sujas e quebradas, assim como tantas outras coisas aberrantes para um zilliano, incluindo os boatos de violência urbana e repressão de censura controlada pela ditadura militar. Através da tiara comunicadora ele gravava relatórios sobre o planeta, quando ficava solitário fazia anotações em uma tela fina e maleável, era uma espécie de pergaminho plástico mágico que saía por cima de seu cinturão e ficava em pé no ar enquanto ele escrevia, utilizando uma caneta flutuante e sem tinta. Realmente era um artefato exótico e muito útil.

Após vários dias de passeio pela Terra foi possível que Durganara conhecesse várias coisas, ele até conseguiu ler diariamente vários livros humanos, utilizando-se de um óculos especial de tradução simultânea saído de seu cinturão. Valentino queria usar o cinturão para se maravilhar com tantas possibilidades, até que seu novo amigo Durganara fez uma proposta ousada para que eles trocassem de lugar; o alienígena usaria poderes mágicos para enganar os sentidos dos pais de Valentino para que ele seguisse para Zillium, o rapaz aceitou e logo Durganara criou uma magia no chão do quarto do amigo utilizando giz de cores variadas, pedras, braseiro, um cajado, pós metálicos, palavras mágicas e algumas gotas de sangue de Valentino, conseguindo ativar um portal pela parede que sugou a cadeira onde o mesmo estava sentado. O jovem humano estava ansioso para conhecer Zillium, levou consigo alguns dos artefatos de Durganara e logo chegou ao laboratório-biblioteca de Eldritch em Kágura.


TERCEIRO ATO - VALENTINO VIAJA À FANTÁSTICA ZILLIUM.
Finalmente Valentino chegou a Zillium, aparecendo dentro do Transferidor Essencial, quando falou dentro da armadura Chumerim o recebeu, abriu o artefato e tirou-o de lá facilmente. Falaram gestualmente, então o rapaz usou uma tiara tradutora que lhe fora dada pelo seu amigo alienígena. O sábio saiu por uma porta próxima que dava para a biblioteca, ele chegou até Valentino, conversou com ele um tanto desconfiado e entregou-lhe uma carta de Durganara, ela estava em forma de um minúsculo cubo do tamanho da falange de um dedo polegar humano. Eldritch a colocou sobre a mesa e pediu que ela se abrisse, então o cubo se desmontou em um grande pergaminho retangular com cerca de meio metro e assim o sábio conheceu relatórios de seu amigo e os transcreveu para seus arquivos de estudos e pesquisas sobre o novo mundo.

Meses se passaram em Zillium, com isso Valentino treinou conhecimentos teóricos variados sob a tutela do sábio Eldritch e se empenhou em escrever as maravilhas daquele mundo; até o dragão resmungão Nitz conversou com ele, a princípio a desconfiança era mútua, mas depois o jovem conseguiu montar em sua cela e teve a experiência marcante de voar nas costas de um dragão; treinou um pouco de artes marciais em um templo localizado em uma montanha voadora; comeu doces que brotavam de vários arbustos e bebeu sucos e bebidas alcoólicas que saíam de árvores; falou com fadas, gnomos, duendes e até brincou de mímica com um fantasma brincalhão. Aquele mundo era realmente fantástico e livre, diferente da ditadura ferrenha e assassina de seu Brasil do golpe militar.

Enquanto isso, na Terra seu amigo Durganara estudava muito conseguindo aprender e ensinar facilmente, estabeleceu alguns contatos superficiais, conseguiu um emprego como técnico em eletrônica e com isso conseguiu pagar uma casa para si, forjou documentos com nome e números falsos e iniciou um trabalho de incitar nas pessoas sentimentos de liberdade, fraternidade, respeito e companheirismo entre tantas outras coisas; assim como também falava demais sobre ecologia, humanismo, ética, justiça e tantas outras coisas profundas e muito avançadas para a maioria das pessoas; Durganara até julgava medidas para mudar aquele mundo, falava sobre planejamento familiar e controle natal, métodos contraceptivos, legalização do aborto, apologia ao Estado laico, estudos sobre ateísmo e agnosticismo, estilos alternativos de vida e demais assuntos polêmicos que eram tabus na época.

Com tantas diferenças ideológicas ele foi considerado herege e ateu para a Igreja Católica, tão dominante no Brasil; assim como foi considerado anarquista, rebelde, revolucionário e subversivo para o governo militar que caçava opositores ao sistema vigente. Utilizando-se de documentos falsos Durganara criou para si a identidade de Hugo Tavares e também usava o pseudônimo Voz Rebelde com a qual divulgava seus ideais para universitários através de jornais clandestinos, certamente Durganara foi caçado pelo DOPS e fugiu ileso graças aos seus artefatos, pois não conseguia ter facilidade para fazer magias no planeta Terra onde a magia não é forte.

Os pais de Valentino o procuravam muito e já perdiam as esperanças que o filho estivesse vivo em algum lugar. Passaram-se quatro anos na Terra e oito anos em Zillium e Durganara já estava entediado e perturbado pelas coisas horrendas que conheceu na Terra, queria voltar para sua terra natal o quanto antes, até para evitar ser morto pela polícia torturadora da ditadura que estava cada vez mais poderosa e perigosa. Enquanto isso em Zillium, Valentino não mais se importava em voltar para seu planeta, já amava o novo mundo acima de tudo. Esse amor pela fantasia de um mundo mais simples passava até por cima da amizade intensa com Durganara.


QUARTO ATO - A DESILUSÃO NO BRASIL DITATORIAL DE 1968.
O filósofo aventureiro havia perdido todo o encanto pelo mundo dos humanos, pela primeira vez em sua vida começou a ter sentimentos decadentes, teve tristeza profunda, então sabia que só tinha uma chance de voltar a Zillium e era trocando de lugar com Valentino, assim ele voltaria ao seu mundo e continuaria sua vida pacata de estudos e aventuras bem mais leves que as tão perigosas aventuras terráqueas. Ele preparou ingredientes para a magia chamada Troca de Mundos, sendo que era uma magia muito poderosa e perigosa que poucos aprenderiam a preparar corretamente.

Durganara esperou uma noite de lua cheia do ano para montar sua passagem para Zillium, conferiu detalhes astronômicos e astrológicos, avaliou equipamentos de precisão e com seu cinturão foi possível começar a perceber um pequeno portal se abrir na parede desenhada. Seu cinturão apresentava sinais de falha, no decorrer dos últimos meses, até os cristais do artefato brilhavam menos, tudo por conta da incompatibilidade com a energia do planeta Terra que não recarregava corretamente seus equipamentos nos últimos meses daquele ano de 1968. Dentro de seu quarto em um bairro isolado do centro da cidade o filósofo aventureiro tentou expandir e manipular a energia mágica, no exato momento que estava com todos os aparatos para trocar de mundo sua porta trancada era esmurrada por um padre e por um agente do DOPS que o caçavam por incitar rebeldia no povo do Rio de Janeiro. Sentado a uma cadeira que servia de portal um vórtice energético aumentava revelando o laboratório-biblioteca de Eldritch. O portal cresceu e Durganara passou por ele com sua cadeira e mochilão de artefatos.

- Meu amigo, temos que trocar de lugar, seu mundo é muito louco, quero minha vida de volta. Troquemos de mundos agora, é meu último esforço, sente-se na cadeira, temos poucos minutos até que invadam minha casa e me prendam. Na Terra você se salvará pois é inocente e poderá usar uma poção de invisibilidade para fugir dos meus inimigos. Sou inimigo declarado de governos ditatoriais e empresas da fé e preciso de você para retomar minha vida nesse mundo! - Durganara estava com pressa e nervosismo, isso era raro para alguém tão equilibrado e seguro como ele, então Valentino se recusou a ir, e aproveitando uma distração do amigo que tinha deixado o mochilão e o cinturão ao chão o jogou na mesma cadeira e a trancou, acionando a alavanca de transferência do artefato; dessa forma ele retornou para a Terra, pouquíssimos segundos depois do curto momento que passou em Zillium.

Acabou-se a energia do portal e o mesmo se fechou de vez, então caído ao quarto estava Durganara com sua forma e roupas originais, o agente do DOPS e o padre que conseguiram arrombar a grossa porta, ao acenderem a luz chocaram-se com aquele ser exótico sentado naquela cadeira com uma expressão decrépita na face. Durganara na versão original era um tanto diferente do tão procurado Hugo "Voz Rebelde" Tavares, mas seus traços de cabelos longos e traços faciais se mantinham idênticos, a não ser pelas cores de pele, cabelos e olhos. O policial o tirou da cadeira, e junto com o padre atestaram que era ele mesmo o tão procurado subversivo cogitado como agitador político e aspirante a terrorista, este ainda estava atônito pela decepção com o amigo apenas chorava enquanto uma minúscula luz se apagava na parede do quarto, ele não resistiu a prisão sendo algemado e humilhado pelos dois inimigos. O padre se assustou com os símbolos místicos tão excêntricos e desconhecidos espalhados pelo chão e paredes daquele quarto pequeno e ficou em dúvida se lidava com um ateu herege mesmo ou se estava diante de um satanista.

O tão caçado Voz Rebelde sentia que estaria morto logo depois de alguns dias de tortura, vários conhecidos e colegas seus tiveram um destino terrível nas mãos dos torturadores a serviço da ditaduta. Levaram-no ao carro e ouviu diversas ofensas degradantes, mas isso não importava diante daquela dura e sofrida traição de seu amigo que o abandonou no momento mais necessário. Durganara sabia que morreria naquela semana em uma cadeia suja, mas quando esteve preso pensou muito, chorou soluçando nervosamente rangendo os dentes, dessa vez com uma mistura de tristeza, decepção, raiva e amargura e tomou uma decisão drástica.

Durganara mordeu uma cápsula que levava presa abaixo de sua língua, retirou-a e colocou entre os dentes, mordeu-a suavemente, logo sentiu uma pequena gelatina de sabor doce espalhando pela língua rapidamente. Um pouco de dor se espalhou garganta abaixo, um forte suspiro foi dado e com um sorriso o extraterrestre encerrou sua existência na Terra, Hugo Tavares ou Durganara não mais existiam. Seu corpo caiu ao chão e definhou em poucos minutos na frente de outros presos políticos, o carcereiro, que segurava um terço católico orava rápido para que aquela cena grotesca de um corpo atrofiando e apodrecendo diante dele fosse apenas uma amarga ilusão terrificante. O rebelde não sentiria mais as dores de viver realidades tão sofridas no planeta ao qual passou a odiar tantas coisas, enquanto amava outras, a grotesca dualidade lhe feria por demais. Talvez Durganara reapareceria em Zillium e expulsaria de lá seu tão decepcionante amigo Valentino, fazendo-o retornar ao seu mundo natal. Na tentativa frustrada de voltar ao seu mundo o filósofo aventureiro conheceu a traição de seu amigo, por uma cápsula ele conheceu o sabor doce da morte, talvez mesmo após todos esses elementos Durganara ainda teria mais aventuras ao cruzar a misteriosa dimensão do mundo dos mortos, mas essa não seria uma aventura qualquer, seria uma aventura além da imaginação.

Observação: Esse texto é baseado em uma conversa que tive com a escritora Rita Maria Félix da Silva.

- Mensageiro Obscuro.
Abril/2010.

- Glossário -

DOPS = Sigla criada para definir o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), foi o órgão do governo brasileiro criado durante o Estado Novo, cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime no poder.

Krentz = uma espécie de animal primitivo de inteligência muito limitada, capaz de ser facilmente manipulado por qualquer ser mais inteligente e poderoso, mas quando reunidos em bandos conseguem ser agressivos e até perigosos.

Murzam = expressão de alegria pela chegada de um visitante.

Reikt = saudação de saúde e respeito por quem chegou, só se fala uma vez por dia para a mesma pessoa enquanto sorri e meneia a cabeça.

Telecinésia = Poder psíquico que concede a habilidade de manipular objetos à distância com comandos mentais.

Foto: "Landscapes 001" por J. P. Targete, 2007.
Portal do artista: Targete Art

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sagrada Prostituta

Uma freira desfilou sorrindo
perto de uma igreja vazia,
com seu jeito faminto e lascivo
revelou tão muda o seu erotismo.

O hábito de fé e puritanismo
amarrotava contra meu corpo,
enquanto ela ria e chorava
tocamo-nos com lascívia.

Fez do altar uma grande alcova,
profanando hóstias e vinho
para nosso banquete, assim,
transgredia como dama herege.

Libertou-se de dores e pudores
como uma sagrada prostituta
em nosso intenso culto erógeno,
tornando-me seu ídolo fálico.

- Mensageiro Obscuro.
Março/2008.

Foto: "Erotic Nun" por Clovis Trouille, 1944.
Portal do artista: Clovis Trouille

domingo, 18 de abril de 2010

Uma Carta Que Não Entreguei

          Tive uma longa conversa com um amigo na semana passada, viramos a madrugada conversando e concluímos que realmente a vida faz piadas ou tem vezes que viramos meras piadas na vida, ah... essa é uma dura realidade das piadas que fazemos e das piadas que podemos ser. Essa era mais uma daquelas tantas realidades que devo enfrentar de cabeça feita, sim, de cabeça feita. Pensei em você novamente, minha querida e ser só seu amigo é realmente perturbador, ainda é mais chato quando me dizem que sou egoísta em "amá-la desejando ser amado", como se eu devesse viver um eterno amor não-correspondido enquanto quem comentou sobre isso já tem uma relação correspondida e sólida, assim é moleza dar palpite. Já se foi o tempo em que por duas vezes eu declarei o que penso e sinto por você e ao ser rejeitado sumi de sua vida por meses, evitava te encontrar, não queria conversas longas por telefone, internet, pombo-correio, telepatia e sei lá o que mais. Talvez o meu erro tenha sido em liberar tanta intimidade para que você descobrisse os carinhos mais doces que só você sabe fazer em meu corpo, exatamente do jeito que gosto, desde as leves provocações até leves marcas em minha pele que despertam minha libido.
         As coisas que vivemos juntos foram maravilhosas, mas  sinceramente... cansei! Já te disse várias coisas, já ouvi muito mais, não vou negar que tivemos grandes momentos. Sim, tivemos várias situações marcantes: desde belos passeios com pouco dinheiro nos bolsos; as gargalhadas de minhas piadas de humor negro para você; nossas situações tragicômicas regadas a calorosos abraços e voz baixa no ouvido; a cômica situação na qual pensavam que somos namorados, que eu estupidamente queria que isso virasse realidade; e o namorico despretensioso no portão de sua casa em pleno começo de madrugada, onde nossas vozes eram tão baixas e embaladas pelos nossos batimentos cardíacos tão grudados no abraço. Não tenho como esquecer o passado, boa parte das melhores coisas do ano de 2005 até hoje foram junto com você, eu seria mentiroso se dissesse que não valeu de nada.  Você é uma mulher cativante de quem sou íntimo e isso é cada vez mais escasso, portanto não preciso disfarçar frieza a ponto de dizer que você é só mais uma distração casual na minha vida.

         Sigo parte dos meus instintos e lembro de como sofri por tentar fugir ao que realmente sou e de quem sou. Entenda que sou só um animal selvagem se adaptando a uma sociedade degradante e destroçada por sua própria espécie dominante. Você não entende o que me fez te largar ao vento como se fosse folha seca rodopiando pelo ar aos comandos ambientais, assim, tão livre e solta para que seja feliz, ou para que pelo menos busque o que te cativa. Quer saber a verdade nua? Pois eu te respondo mesmo: a verdade é que cansei de tudo isso... cansei desse jogo infantil e limitado no qual você sempre recua, somos adultos. Não te quero pela metade e minha fome de viver momentos únicos com você é maior que as parcas esmolas que você atirou nessa minha cumbuca pidona, fazendo com que eu me considere um coringa excluído sobre uma mesa de poker. Você pensa e sente coisas que sua opacidade não me permitem desvendar, e sobre tantas questões dúbias e sou um homem de certezas, justamente suas dúvidas é que me atraíram jogando-me nesses brinquedos de parque de diversões de fantasia e dor. Pode ser que eu esteja em um devaneio poético típico de um idiota que ama e só sabe nutrir amores impossíveis, daqueles que escrevem suas fantasias copiosamente, regados a música com dor-de-cotovelos e álcool.

        Desisti de relacionamentos falidos com mulheres que nunca vão me amar, nasci para o prazer e não para a o sofrimento, te  digo: amar você dói, dói pra cacete! Já conheço sua conversa sobre voltar a tentar algo diferente como apenas amigos. Quando você me disse que eu deveria dar valor a esses cinco anos de tanto contato. Tanta amizade, tanto que reprimi em mim para não te tomar aos beijos mais intensos enquanto você provocava e recuava, sei como isso me feriu. Já quis passar uma borracha em tudo, tentar começar do zero. Orgulho-me de não ter me acovardado pela timidez e orgulho típicos do meu comportamento passado. Confirmo que estou cético quanto a tudo isso, cético de verdade por duvidar de um futuro namoro com você e até sobre encontrar uma mulher com quem realmente eu combine nesse louco quebra-cabeças onde minha forma é tão exótica e não existe encaixe exato. Eu deveria ter sumido de vez da sua vida, mas atendi seus chamados insistentes e voltei a te amar de uma forma diferente de antes, mas ainda assim um amor diferente da amizade do início de tudo. Sumir de sua vida teria sido minha opção mais inteligente a seguir. Hoje eu já teria evitado todos os encontros após a segunda vez em que me rejeitou, então só assim eu estaria melhor nesse sentido.

         É melhor perder tudo de uma vez no lugar de apenas me contentar com migalhas de incertezas e tantas dúvidas, mas o passado é apenas um prenúncio de lembranças para rir ou chorar num futuro. Preparei minha cabeça para suportar toda essa carga do luto pelo Dia do Fim que durará no máximo 24 horas, onde chorarei tudo que preciso bem distante dos demais. Farei isso bebendo e comendo alguma coisa, meio que sem vontade, com uma caneta na mão e guardanapos gentilmente cedidos pelo garçom cansado e entediado que me atenderá. Escreverei uns versos e estrofes ou linhas e parágrafos nessa minha decadência momentânea e assim, contemplarei o sol se pondo belamente em tons pastéis, com a brisa marinha surrando meu rosto já molhado pelas últimas lágrimas. Realmente você não tem noção do que se passa em mim, nem saberá, pois no dia seguinte serei um homem readaptado. Claro! Não vou choramingar por causa de mulher por mais que apenas um dia. Existem dezenas de outras opções pela frente e ainda tenho mais cinco nomes de mulheres para sair, escritos naquela agenda preta pequena, aquela mesma que nunca te deixei ler. Entre várias anotações existem opções de sobressalência para passeios que misturam conversas razoáveis, risos, carinhos, algumas possibilidades de beijos e talvez umas brincadeiras sacanas para não chegar em casa completamente casto. Por isso declaro o fim desse circo onde o palhaço era eu e você era a platéia, não quero mulher-problema, quero mulher-solução e assim sigo meu caminho.

- Mensageiro Obscuro.
Abril/2010.

Foto: "Don Quixote" por Gustave Doré.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Mercadores de Almas

Párias malditos, semeadores da mediocridade humana! Esses são os prisioneiros de suas crenças decadentes e vazias, tão acorrentados em dogmas e conceitos inferiorizantes. Eles são os moralistas contraditórios em negar sua realidade como picaretas e intolerantes, demonizadores de culturas, proselitistas teocratas e fundamentalistas arcaicos. Pobres seres estagnados! Tão mortificados em seu credo lixo e desasiadamente crentes no discurso apologético de um livro muito morto. Os mercadores de almas são os grandes inimigos da razão e lógica, caçadores das mentes pensantes da diversidade, são os especistas, hipócritas, demagogos e machistas, cultistas fiéis do Deus Dinheiro e seu poder distorcido que corrompeu sua essência.

Eis seu deus material e suas crias de almas viciadas e torpes de lânguidas mentes tão radicais. Vestem seus símbolos de decência, abraçando o diabo travestindo como seu deus de esterco. Em suas empresas da fé eles vendem mercadorias inexistentes assim como sua noção de realidade, então compram, vendem e alugam almas em prol de alienações. Torço pela era em que todos esses abusos históricos serão apenas páginas de um passado maldito em um mundo cada vez mais cético.

- Mensageiro Obscuro.
Setembro/2007.

-- Glossário --

Mercadores de Almas = Nome pejorativo para líderes religiosos proselitistas, aplicado para definir clérigos católicos, pastores cristãos, aiatolás, gurus e assim por diante. Esse termo é associado a líderes religiosos manipuladores de massas de alienados, escravizados, manipulados e limitados pelo Sistema.

Foto: Foto satírica onde o papa Bento XVI veste-se como nazista. Encontrado no Google Imagens sem referências encontradas.